Inteligência artificial na educação: o que significam as declarações de Jad Tarifi sobre Direito e Medicina
A discussão sobre inteligência artificial na educação ganhou novo fôlego em 18 de agosto de 2025, quando Jad Tarifi, ex-executivo do Google, afirmou que cursos longos e tradicionais, como Direito e Medicina, podem se tornar uma “perda de tempo” diante da velocidade dos avanços tecnológicos. Esta análise examina as críticas, contextualiza o debate, traz dados do Brasil e discute impactos e caminhos possíveis para carreiras reguladas.
O argumento central de Jad Tarifi
Tarifi sustenta que a IA avança em ciclos de meses, enquanto currículos de Direito (em média cinco anos) e Medicina (seis anos ou mais, além de residência) permanecem estáticos por longos períodos. O resultado, segundo ele, é um descompasso entre o que se aprende e o que o mercado passa a exigir, com risco de obsolescência de conhecimentos antes mesmo da formatura. A crítica não é ao valor intrínseco das profissões, mas ao modelo de formação que não acompanha a dinâmica tecnológica e ao excesso de ênfase em títulos formais em detrimento de competências práticas e humanas.
Contexto: inteligência artificial na educação e no trabalho
Desde 2023, a popularização de sistemas generativos acelerou a adoção de IA em estudo e trabalho. Em 06 de agosto de 2024, levantamento nacional indicou que cerca de sete em cada dez estudantes já utilizavam ferramentas de IA em sua rotina acadêmica. Em 05 de junho de 2025, análises do setor jurídico relataram a expansão de soluções de automação, jurimetria e triagem processual baseada em IA. Em 09 de julho de 2025, reportagens na saúde destacaram que uma parcela relevante de médicos no Brasil passou a empregar IA como apoio a decisões clínicas. Esses recortes mostram um ponto comum: a inteligência artificial na educação e nas profissões já é realidade, não apenas tendência.
Impactos no Direito: eficiência, riscos e novas competências
No Direito, a IA tem aumentado eficiência em pesquisa jurisprudencial, revisão de contratos e elaboração de minutas. Em um Judiciário sobrecarregado, sistemas de triagem auxiliam na priorização de casos e na análise de recursos. Entretanto, surgem riscos: alucinações de modelos, vieses algorítmicos e erros de contextualização jurídica podem comprometer a qualidade técnica de peças e decisões. Por isso, o conhecimento dogmático sólido, a ética profissional e a validação humana permanecem indispensáveis. Para o jurista, a vantagem competitiva se desloca para competências como leitura crítica de saídas de IA, engenharia de prompts, domínio de dados e habilidade de comunicar riscos a clientes e magistrados.
Impactos na Medicina: apoio diagnóstico e centralidade do julgamento clínico
Na Medicina, ferramentas de IA já apoiam a leitura de imagens, a estratificação de risco e a organização de prontuários, com ganhos em segurança e produtividade. A literatura recente destaca avanços em triagem, apoio a diagnósticos diferenciais e acompanhamento de pacientes. Ainda assim, a decisão clínica continua sendo do médico, que precisa interpretar a evidência, considerar singularidades do paciente e ponderar riscos, benefícios e preferências. O tempo de formação prolongado e a exigência de residência tornam ainda mais urgente a atualização curricular, de modo que o egresso domine tanto fundamentos biomédicos quanto o uso crítico de algoritmos.
Por que a fala de Tarifi mobiliza a educação superior
As declarações de Tarifi mobilizam a educação superior por exporem a tensão entre dois tempos: o da inovação, que corre, e o da academia, que muda devagar. Cursos extensos e altamente regulados têm custo de atualização elevado, dependem de mudanças normativas e precisam garantir padrões mínimos de qualidade. Ao mesmo tempo, profissões jurídicas e médicas estão sendo reconfiguradas por dados, automação e colaboração com sistemas inteligentes. Se currículos e práticas não acompanharem a transformação, diplomas ficam menos correlacionados com desempenho profissional e empregabilidade, reforçando a crítica do ex-executivo.
O que a universidade brasileira precisa ajustar já
Na prática, a resposta não é extinguir formações tradicionais, e sim torná-las mais adaptativas. A seguir, um conjunto de ajustes curriculares e institucionais imediatos para alinhar a inteligência artificial na educação a carreiras reguladas:
- Integração curricular de IA e dados: inserir fundamentos de ciência de dados, ética algorítmica, avaliação crítica de modelos e uso seguro de sistemas generativos em disciplinas obrigatórias.
- Metodologias ativas e aprendizagem baseada em casos: simular cenários reais com apoio de IA para treinar julgamento, argumentação e tomada de decisão sob incerteza.
- Avaliação por competências: valorizar resolução de problemas, comunicação técnica, colaboração interdisciplinar e liderança, além da memorização de conteúdo.
- Educação continuada: criar microcredenciais e trilhas modulares para atualização frequente, permitindo requalificação ao longo da carreira.
- Governança e conformidade: políticas claras de uso de IA, proteção de dados sensíveis e transparência sobre limitações dos sistemas.
O papel das habilidades humanas
Mesmo com a automação crescente, habilidades humanas seguem no centro do valor entregue ao cliente e ao paciente. Empatia, ética, comunicação, negociação, criatividade e pensamento crítico estruturam decisões responsáveis e diferenciadas. A inteligência artificial na educação deve reforçar — não substituir — essas competências. Em Direito, isso significa argumentar com precisão, contextualizar precedentes e antecipar riscos regulatórios. Em Medicina, significa escuta qualificada, explicação clara de opções terapêuticas e cuidado centrado na pessoa.
Riscos e limites: o que não terceirizar para algoritmos
Alguns limites são incontornáveis. Em Direito, a interpretação constitucional, a ponderação de princípios e a condução ética de casos não podem ser delegadas a sistemas probabilísticos. Em Medicina, a responsabilidade clínica por diagnósticos e tratamentos permanece humana, assim como o dever de obter consentimento informado e de personalizar condutas. A adoção responsável de IA exige rastreabilidade, validação independente, avaliação de impacto e supervisão constante.
O que muda para estudantes, docentes e gestores
Para estudantes: usem IA como amplificador de estudo, não como atalho. Desenvolvam fluência digital, domínio conceitual e disciplina de verificação. Cultivem portfólios práticos (petições, pareceres, casos clínicos simulados) que evidenciem competências reais.
Para docentes: incorporem ferramentas em aulas, avaliem com base em competências e criem atividades que exijam raciocínio próprio. Atualizem-se em ética de IA, proteção de dados e desenho de avaliações robustas contra plágio algorítmico.
Para gestores: estabeleçam políticas institucionais claras, invistam em infraestrutura segura de dados, promovam P&D aplicado e parcerias com organizações públicas e privadas para projetos-piloto supervisionados.
Conclusão: nem “fim dos diplomas” nem complacência
As falas de Jad Tarifi são provocativas, mas funcionam como alerta útil: sem atualização profunda, cursos longos ficam desalinhados de um mundo movido a dados e automação. O caminho do meio é claro. Direito e Medicina seguem essenciais, mas precisam de currículos flexíveis, avaliação por competências e cultura de aprendizagem contínua. A universidade que prosperar será a que transformar a inteligência artificial na educação em vantagem pedagógica real — com rigor científico, responsabilidade ética e foco no que só humanos podem fazer.